Nesse texto tento dialogar com o que já pude entender de diversas religiões. Porém, religião não é alvo de algo que possa ser chamado como entendimento, alguns prefeririam o termo iluminação. Mas considero interessante o caminho que penso e acho que tem a ver com algumas doutrinas mais libertárias e modernas de interpretação da religião, seja qual for, a libertação na católica, o novo judaísmo, o Budismo Mahayana ou até do humanismo deísta, do qual é o que mais se aproxima.
Para testar qual é sua corrente religiosa mais próxima podes tentar fazer esse teste: http://www.beliefnet.com/story/76/story_7665_1.html
Segue o texto:
"Muitas vezes, os pensamentos se organizam de forma coerente dentro da nossa cabeça e nos possibilitam criarmos axiomas conclusivos para os caminhos lógicos que trilhamos em raciocínio. Entretanto, uma coisa é pensar para si, outra diferente é saber expressar seu pensamento de maneira que, diante de uma simples pergunta como “se você acredita em Deus porque não crê na vida após a morte?”, saibamos organizar nossas conclusões e possamos refazer o caminho que nos permitiu raciocinar de forma a responder afirmativamente para a existência de Deus e negativamente para a existência de vida pós morte, por exemplo.
Quando nos confrontamos então com esse tipo de pergunta voltamos atrás em nossas argüições iniciais e descobrimos que o postulado máximo obtido não é tão lógico assim. Diante daquela pergunta, eu, o autor que vos escreve, fiquei sem resposta. Se quiserem me acompanhar nessa digressão que promete ser longa, podemos tentar responder (talvez satisfatoriamente) às duas questões que na verdade estão naquela pergunta: sobre a existência de Deus e a possibilidade de “vida” após a morte. Não esperem um caminho reto e seguro, vamos antes tomar uma rota sinuosa, escorregadia e não sinalizada (mais ou menos como as estradas brasileiras).
A existência de Deus implica em vida após a morte?
Se pensarmos bem, veremos que não há ligação causal entre uma e outra. Para desvendar mais a fundo essa conclusão teríamos que regredir à atual noção divulgada de Deus, que é a seguinte: “Deus é uno e está em toda parte”. Este é o pressuposto adotado pelas maiores religiões da humanidade, Hinduísta, Budista, Muçulmana, Judaica e Cristã. Ora, Deus ser um só é um avanço da lógica na teologia. Vejamos, talvez o mais fácil seja adotar a postura agnóstica: “não acredito, mas também não desacredito”. No entanto, tal posicionamento é muito estéril, não se evolui a lugar nenhum a partir daí. Fica se esperando uma prova, coisa que nem para a nova ciência relativista existe. Nesse caso, a melhor postura é ser antes um ateu, dado que é uma posição com a possibilidade de ser refutada. Embora seja preciso admitir que os ateus nunca virão a ser refutados, não existirá prova definitiva de Deus, na crença Dele é que se baseia a fé.
É possível adotar uma postura quase como que a de um ateu que acredita em Deus, por mais paradoxal que isso pareça. Um dos primeiros pontos que leva alguém a responder com um “Sim” à pergunta “Deus existe?” é crer em um princípio criador, um início, talvez. Uma das definições de Deus é ser o criador de todas as coisas. Vem daí o princípio de Deus ser um só. Se há quem criou, não pode haver mais de um Deus, porque a existência de muitos pressupõe que algo anterior os tenha criado, e se Deus é, por definição, o criador de todas as coisas, deve haver um Deus que é anterior a todos os outros, que é portanto legítimo. É por isso que os povos de religião monoteísta como os judeus e muçulmanos viam os politeístas, gregos e romanos como povos bárbaros. De fato, pela visão dos monoteístas, podemos julgar que os povos politeístas não haviam evoluído no raciocínio teológico a ponto de concluir que Deus é um.[1]
Avançando um pouco mais, podemos observar que as religiões monoteístas ocidentais possuem dificuldade de superar alguns pontos. Primeiro, se Deus é uno, não se pode conceber a divisão de figuras de Deus e o Diabo. Histórias grotescas de Lúcifer, anjo caído, e demais entidades inferiores são mitos, tão bons quanto quaisquer outros mitos gregos ou panteístas. A implicação é de que não existem forças opostas: o bem e o mal. Para alguém que queira pensar nesses termos, é muito mais bonito e elegante pensar em Deus e na sua ausência. Pensando assim, temos a plenitude, a paz e a felicidade como sendo a presença cheia de Deus, enquanto que o desespero, o medo e o egoísmo são a ausência de Deus para aqueles que não conseguem enxergá-lo em si e em todas as coisas.[2]
O segundo ponto difícil de ser superado pelas religiões monoteístas ocidentais é a admissão de que Deus não é persona. Não pode ser, o criador não tem preferência sobre sua criação, não é um sujeito alvo, robusto e de barba branca. Deus não tem sexo. “Deus criou o homem a sua imagem e semelhança”, mas qual criação do universo não é imagem e semelhança de Deus? É duro admitirmos e eu sinto em dizê-lo, mas em termos do que é, a vida de um homem não vale mais do que a de um simples animal, não vale mais do que uma planta. Nesse aspecto, o homem não vale nem mesmo mais do que uma pedra.
Deus não é persona, é simplesmente tudo. Com isso podemos abandonar até mesmo a idéia de princípio que foi proposta no início do texto. Não precisa ter existido um “marco zero”, não há como imaginar o que é “o início”, não se sabe ao certo. Porém, assim como podemos intuir um começo, podemos também conjecturar que tal começo nunca houve e temos, então, a visão do continuum, que é mais abrangente. Se é preciso de uma idéia para Deus, podemos empregar aquela que afirma que Deus é luz invisível e está presente em tudo. Dentro de cada pessoa, de cada mícron, menor que o átomo embora não seja matéria, pois está presente também na anti-matéria, onde nada mais há. E Ele é o mesmo para tudo, para todas as coisas. A presença de Deus como entidade se manifesta para quem quiser percebê-lo, na forma de fé.
“O que essa visão de Deus muda?” Nada. Por isso que é quase um ateísmo. Cada um pode dizer: “Eu sou Deus agora e continuarei sendo quando minha pessoa deixar de ser”, mas isso não é “vida” na forma como entendemos essa palavra. Após a morte não haverá Eu. O problema é que todos pensamos muito em personificação, “o que faço hoje aqui e agora”. Para alguns, a vida após a morte parece querer ser uma extensão de nós mesmos, uma felicidade ou sofrimento, uma realização ou uma vexação. É muito complexo pensar que haja uma nova vida em um plano superior ou inferior e quanto a isso não temos provas. A vida após a morte pode muito bem ser nada.
Talvez não estejamos muito satisfeitos em colocar o ser humano lado a lado com uma pedra. Afinal, temos a particularidade de pensarmos sobre tudo isso e as pedras, até agora, não demonstraram nenhum sinal de que são capazes de fazê-lo. O ser humano tem a capacidade de perceber e tentar compreender as coisas que o cercam , isso é o que nos fornece a idéia de existência e nosso sentido de vida. É o “penso logo existo” do René Descartes.[3]
E assim, não em superioridade e valoração, mas em termos de vida e não-vida, podemos estabelecer uma hierarquia. O ser humano percebe que vive, tem uma idéia prática e metafísica sobre o meio que o circunda e o compreende, cada qual a sua maneira. Os animais percebem que vivem e possuem conhecimento prático do meio que os circunda, dependendo do grau de evolução, possuem alguma compreensão. No reino Vegetal e dos organismos mais simples, existe alguma “percepção” de vida e nenhuma compreensão do meio.
As plantas usam o solo, o ar, a luz para sobreviver, sua forma de vida simples é sintomática: nas condições propícias sobrevivem, em meio precário, reverberam os problemas e perecem. O homem é o ser capaz da transformação, possui o que algumas religiões consideram em alta estima: o “livre arbítrio”. Por crer na sua força transformadora é que o homem é compelido a acreditar na vida após a morte. E de fato, a única certeza de que temos "vidas" após a morte são aquelas que sobrevivem nas idéias de um legado deixado por pessoas que já existiram na História. Por exemplo, até caírem no esquecimento, quantos ainda não vivem? Confúcio, Platão, Aristóteles. Ou então Sidharta, Moisés, Cristo e os apóstolos.
Tais pessoas vivem na vida de outras pessoas, no post-mortem. Por quantos anos não pode ser lembrado o patriarca ou uma matriarca de uma grande família?
Ser lembrado não quer dizer ser melhor do que ninguém, ser melhor do que as ditas pessoas “comuns”, mesmo porque, alguns como Amílcar, Calígula, Hitler e Pol Pot podem ser lembrados pela falta de humanidade e feitos cruéis. Outra certeza que temos é de que a vida continua em nossos descendentes. A prática difundida no mundo contemporâneo de herdarmos nomes de nossos ancestrais nos revela isso, construímos um legado. Mas, de igual maneira, não tem maior importância quem deixa nessa vida um sem-número de descendentes.
É incrível, mas a segurança que temos sobre a vida após a morte é viver “o hoje”. Saber que para cada um de nós não há continuação nos impele a transformar o mundo em que vivemos no presente. Deus mesmo não existe, nossos atos não são para uma futura redenção, nem são um determinismo indiferente e cíclico de uma re-encarnação. Eles são nossa sublimação, nosso murro contra a ponta da faca ao evitar responder “não” às duas perguntas que nos afligem: existe Deus e vida após a morte?”
[1] Existe uma possibilidade lógica para as religiões politeístas que é a de criação simultânea. Imaginando se dois ou mais Deuses que criaram o tudo-mais-que-há e a si próprios, de modo que um não precisou criar o outro e o mundo veio de sua conjugação de forças. Mas para algo não falseável como a existência de Deus é melhor adotar a postura da Navalha de Occam. Para quê acreditar em uma teoria mais complexa sobre algo que nunca virá a ser comprovado a não ser pela existência da fé? Melhor mesmo é ficar com um Deus apenas, é mais simples.
[2] Novamente a existência de planos opostos é possível quando se acredita na união dessas forças para a criação. Dessa forma, duas entidades são o tudo-mais-que-há e o mundo é reflexo dessa conjunção de forças opostas. Entretanto é ingenuidade pensar nisso como céu e inferno. Essa visão acredita em um determinismo das ações e conseqüências, atribuindo à tudo uma parcela de causa e de culpa. Adotar essa postura é não admitir o intermédio, a área cinzenta das ações dúbias do ser humano, é não reconhecer o homem sem atribuir parcela de santo ou demônio.
[3] Por um caminho que ainda não fui capaz de estudar e acompanhar profundamente, Descartes concluiu também pela existência de Deus em seu “Discurso sobre o Método”.
Um comentário:
Este é um artigo deísta:
http://pt.wikipedia.org/wiki/De%C3%ADsta
Postar um comentário