domingo, abril 06, 2008

Manual de um Homem só: saiba o que virá no século XXI, se tudo o mais permanecer constante


Não acredito em profecia, mas é possível traçar algumas linhas gerais para o futuro sem muito medo de errar. No aspecto geral das idéias as profecias costumam a funcionar, porém no caso específico de fatos e acontecimentos é algo obtuso e falho. De todo modo agirei como os melhores profetas: invocando as cláusulas coeteris paribus (se nada mudar do que até hoje está em vigor, minha análise estará certa).


Parece chato e ladainha nos perguntarmos: "mas o quê ocorre no século XXI?" Vivemos uma era onde se exarcebam cada vez mais o individualismo e a indiferença. Não somos menos interdependentes do que no passado, pelo contrário, hoje existe maior divisão de tarefas, dependemos cada vez mais um do outro em termos materiais, mas cada vez menos em termos humanos.


Não sei se já ouviram falar em household production. É um arcabouço teórico que explica a divisão de trabalho domiciliar. Existe uma série de afazeres domésticos que são desempenhados pela produção do lar, digamos assim. Alguns exemplos são a comida, cuidados de limpeza da casa, das roupas e compras de mantimentos. No século XIX muita coisa era internalizada pela família. A composição familiar era outra, a mulher não havia ocupado o lugar que ocupa hoje no mercado de trabalho, não havia emancipação feminina nem de classes. Os idosos moravam com seus filhos adultos e os filhos pequenos ajudavam na produção, o patriarca exercia o ganho ou fora de casa ou na lavoura e a mulher coordenava as atividades de dentro do lar.


Muitos avanços ocorreram durante o século XX, principalmente da emancipação feminina. O séc. XX é fechado em si mesmo, possui sua identidade, mas não deixa de ser uma etapa de transição para o que vivemos agora. No século passado se configuraram mudanças benéficas a favor da individualidade. Acompanhou também uma série de avanços para o bem estar material e produtividade do indivíduo e da família. Ocorreu uma expansão dos serviços, indústrias e invenções. Surgiram a energia elétrica, o telefone, o automóvel, o rádio, geladeira, televisão, computador e o telefone celular.


Observa-se o estreitamento dos inventos do geral para o indivíduo. Com um bip, um telefone celular e seu cartão de crédito um indivíduo pode viver sozinho, dispensando a relação com a família e com os outros (é preciso de dinheiro, mas os reflexos do individualismo se refletem também aos indivíduos sem grana, o que é pior: sem os recursos da modernidade para ajudá-los). Dou um exemplo cotidiano ocorrido comigo: No mês de Março passado estava no trânsito, sozinho no carro, tinha tomado a decisão de ir no meu veículo, estava um pouco atrasado e pela hora que deveria voltar, tarde da noite, era mais cômodo ir de carro. Peguei trânsito e chuva, na altura da Bias Fortes logo depois da pç Raul Soares, meu carro enguiçou. No trânsito ninguém compreende nínguem, imediatamente levei buzinaço, mas consegui empurar o carro para o acostamento pedindo ajuda de um transeunte, o que não foi muito fácil (pedir ajuda, diga-se, empurrar foi moleza).


Carro enguiçado na chuva tentei procurar o problema. Ali é uma região boa para ver peças e mecânicas, porém eram quase 18:00 e as oficinas já estavam fechando. Ali perto tem uma loja de equipamentos elétricos, som, alarme e essas coisas. Minha suspeita era de enguiço elétrico, procurei uma ajuda lá, e depois de algumas perguntas e quase levar um "não posso ajudar" me passaram uma mecânica. Me dirigi a ela mas já estava fechada. Passei por diversos descasos ao pedir informação, no fim acabei abrindo a tampa do motor e descobri um fio elétrico solto, encaixei e o carro deu sinal de vida. Porém seria preciso empurrar um pouco para pegar. Pedi ajuda a dois sujeitos perto da Igreja batista que tem ali. Eles se dispuseram a ajudar, quando estavam empurrando chegou um pivete para ajudar também. Assim que o pivete chegou os dois primeiros pararam de empurrar e caíram fora. Eu não percebi. Ladeira abaixo é que notei que só o terceiro estava empurrando o carro, o veículo acabou pegando no tranco e o pivete pediu uns trocados pelo favor.

O homem é um ser individualista, sempre foi, não é de agora. Somos interesseiros, pensamos em nós primeiros e depois na família, alguns mais instintivos primeiro na prole, não excluo a mim mesmo disso. Porém nunca houve condições materiais para que nós humanos nos desenvolvessemos como seres sós. As relaçoes interpessoas ficaram cada vez mais monetárias e quantificáveis: "empurro seu caro se me der dois reais", "curo sua doença se me pagar o preço devido", "dou-lhe amor só me deres de volta", "converso contigo só se tiveres algo de interessante a me dizer". É isso que estamos todos dizendo uns aos outros. É para isso o alerta, o cuidado que é preciso ter daqui pra frente para não viramos autômatos individuais sempre atento a trocas que nos beneficiem.

Temos aí o mais individualista dos engenhos: a internet. Que maravilha a internet! Acesso à informação ilimitada com a instantaneidade de um clique. Comunicação expressa, amigos a quilometros de distância à proximidade de uma janela, crescimento das relações humanas. Porém, a internet não tem servido muito para agregar. Acho que ela tem um potencial muito grande para esse fim, mas tem mais é servido para o anonimato das baboseiras e da indiferença, ou para o interesse disfarçado (Nesse momento sou ignorado por duas conversas no msn).


Sou meio louco, mas não vejo a diferença de estar presente com a pessoa e dizer um "Oi" virtual. Acho que a maioria das pessoas concorda que um cumprimento pessoal não correspondido é ofensivo e mal educado, mas encaram diferente na internet. Porém a maioria não age da mesma forma no virtual. Entendo motivo de ocupação e afazeres domésticos, mas pra mim o desrespeito nesse segundo caso é igual ao do primeiro. O telefone é até melhor meio de comunicação já que possui o bate e volta e não ocorre, a não ser em casos extremos, o fato das pessoas saírem sem se despedir.

Acho que para não ficarmos loucos, o mais natural é agir no virtual assim como somos no real. A sociedade de hoje com seus Big Brothers e afins exacerba o individualismo. Hoje cada um pega seu mp3 player ou IpOD coloca os headfones nos ouvidos e se desliga do resto do mundo. Todos no seu eu fechado. Música individual, veículo individual, comida individual, tudo o que se precisa em suas mãos.


Não tenho prognóstico, só diagnóstico, não sei como mudar o quadro no qual eu mesmo me insiro. É de conhecimento comum que o número de suicídio por habitantes é maiores nos países desenvolvidos. No Japão, um fenômeno que esteve em expansão na década de 90 eram os chamados Otakus, indivíduos que viviam trancados com suas coisas em seus quartos, que vira uma espécie de casulo. Acho que hoje todos somos um pouco otakus, desconfio que os suicídios nos países ricos estejam relacionados com essa acensão material não necessariamente interligada com a ascenção humana.



créditos das imagens:

1. Profeta Miguel de Nostradamus feito por seu filho César.

2. David Lloyd desenha o trânsito de São Paulo no livro sobre a cidade.

3. Quadrinho do mangá Genshiken de Kio Shimoku, até onde sei ainda inédito por aqui.

3 comentários:

Anônimo disse...

Hey Victor, concordo plenamente com suas conclusões sobre o individualismo. Cada vez mais pensa-se no outro cada vez menos. E isso não pode ser bom.

Assunto que dá pano p/ manga...

Acho que lutar contra isso é impossível, não vejo como desfazer essa tendência. O máximo que podemos fazer é tentar agir diferente sempre que pudermos, nas esperança de que nosso comportamento "contamine" outros.

Bjo´s
Rafa

I'm a Rock disse...

A Esperança é última! Valeu moça! ;)

Anna disse...

Victor,
Concordo plenamente com vc!
Cada vez nos tornamos mais individualistas e intolerantes uns com os outros!
É intristecedor, sabia?
Beijos pra vc!