quarta-feira, maio 05, 2010

Quadrinhos Autorais II

Bom, enquanto rola um monte de coisa lá fora e o trabalho corre solto, espero meu próprio ritmo de arte finalização da A.T.U.M. ficar pronto. E assim tiro um tempo para ler quadrinhos e comentar aqui os que são dignos de nota.

Vou começar então com ATO 5 escrita por André Diniz e desenhada por José Aguiar. Publicação independente. Esse é um quadrinho curto de 28 páginas, custou-me R$ 5,00, um custo por página que compensa a compra. A história de André Diniz é interessante, pois lida com uma companhia de teatro nos tempos da censura militar, o título lembra o Ato Institucional nº 5 e o 5º ato de uma peça. Conta a história de um triângulo amoroso formado por diretor, atriz principal e ator coadjuvante. A história é contada sobre dois pontos de vista, primeiro Juan, o jovem ator no segundo papel e eternamente apaixonado por Lorena, estrela da companhia. Ao final vem o ponto de vista dela, da atriz, o que torna o quadrinho interessante, a divisão não é simétrica, 20 páginas para Juan e 8 páginas para Lorena (ainda bem, tenho tentado resistir ao meu apego demasiado ao simétrico), a parte da atriz é bem menor, mas não menos esclarecedora. O roteirista André Diniz vem em um crescente nos seus trabalhos, ele mantém o blog Nona Arte com dicas úteis para quem é do ramo. José Aguiar possui um dos traços mais característicos dos desenhistas brasileiros da atualidade, desenho bastante anguloso e ágil, na FIQ-BH peguei um autografo dele no álbum quadrinhofilia.

Có de Gustavo Duarte, editoração independente. Esse trabalho tem uma temática surrealista, muito interessante. O quadrinho foi feito em preto e branco e conta uma história de 32 páginas sem balões. O traço cartunesco, grande, ao mesmo tempo preciso e rico em detalhes do Gustavo Duarte vale por si só, mas o mais interessante é que a historinha de um fazendeiro em uma noite dentro de uma casinha isolada no meio do nada, em meio a porcos e galinhas, é muito legal. Enfim, um pequeno quadrinho, muito bem desenhado que vale a pena. Sobre esse não posso contar muito senão estraga...


Mangaká de Akira Toriyama, editora Conrad. Esse é um quadrinho sobre como fazer quadrinhos. O autor é o desenhista e roteirista japonês Akira Toriyama, o mesmo de Dragon Ball e Dr. Slump. Toriyama ensina algumas técnicas para compor um bom efeito de página e história. Segue a mesma linha que os livros de Arte Seqüencial de Will Eisner e Entendendo os Quadrinhos de Scott McCloud, duas referências na área. Porém é mais prático e direto do que aqueles, também mais básico. É voltado para os Mangás. Ao final traz exemplos do que se deve e não se deve ser feito em uma página de Mangá, traz alguns exercícios. Algumas técnicas estão um pouco utrapassadas pelo fato de usarmos algumas coisas no meio digital. Ainda assim, aprender como se fazia no analógico é importante.

Retalhos de Craig Thompson, ed. Cia dos Quadrinhos. Esse livro teve lançamento no Brasil ano passado, em data muito próxima ao dia dos namorados. Lembro disso porque a Lia me comprou de presente e o preço estava bem em conta. No festival internacional de quadrinhos de Belo Horizonte, o autor esteve presente para fazer um segundo lançamento. Até então eu não havia lido a HQ. Sobre resenha do livro, gostaria de rebater crítica que saiu no Folha de São Paulo, anunciando o lançamento no Brasil pela Cia dos Quadrinhos. Na verdade, as críticas de quadrinhos não são exatamente críticas, ao contrário dos livros músicas e filmes onde o crítico solta ao final uma nota ou conceito, no caso dos quadrinhos, geralmente não há nada. Isso pode ser bom, pois muitas críticas de opinião não ajudam muita coisa, mas pode ser uma condescendência com o frágil mercado de quadrinhos, receio de qualificar mal uma obra recém lançada e matá-la antes de chegar ao público. Eu já acho o contrário, talvez o fato de tanta proteção às resenhas de HQ’s é uma das razões para deixar o mercado fraco do jeito que é. A resenha em questão era bastante burocrática, parecia ter saído de um editor que achou penoso ler uma HQ com 592 páginas. A resenha cita os prêmios, pontos e personagens da história, mas não esclarece nada, é fria como o inverno de Wisconsin, onde se passa a HQ. Ao contrário desta, a resenha de Grampá foi mais curta, não mencionou os prêmios, mas teve coragem de soltar uma avaliação no final. Uma resenha bem mais honesta, de alguém que leu e viveu o livro. Na minha opinião, Retalhos é um dos melhores quadrinhos de amor escrito até o momento, o mais íntimo e verdadeiro, fala sobre a luta de uma infância reprimida pela religião e de poucos recursos, uma adolescência deslocada, e de como achar o equilíbrio entre religião, sexualidade e amor. Ou como definiu bem Hiro Kawahara em sua frase-título: “Como ler um calhamaço de 590 páginas e se sentir leve como uma espuma.” Excelente presente para o 12 de junho.

Umbrella Academy. Roteiro de Gerard Way, Desenhos de Gabriel Bá, cores de Dave Stewert. ed Devir. Esse quadrinho me surpreendeu positivamente, comprei por conta do desenho do Bá, de quem sou muito fã, mas era reticente quanto ao roteiro feito pelo vocalista Gerard Way da banda de emo-rock ‘My Chemical Romance’. Acho que a maioria dos leitores de quadrinhos hard se sentia assim e creio também que a maioria quebrou a cara, pois Umbrella Academy é um quadrinho de supers bem contado, arquitetado e que consegue prender a atenção do leitor para uma família de garotos paranormais (a lá X-Men freaks). A vilã é um dos melhores personagens, os heróis são dúbios, o professor e pai dos garotos é de um caráter pra lá de questionável. Enfim, é um excelente quadrinho, quem gosta de um clima mais sombrio e tramas embaralhadas (mas que se fecham), além super poderes não tão convencionais, irá gostar de Umbrella. No meu caso eu colocaria que não gostei muito, mais por gosto pessoal do que pela qualidade da história em si, não fiquei com muita vontade de “comprar” a continuação, embora tenha vontade de “saber” como termina, então qualquer amigo ou amiga que estiver disposto, aceito um empréstimo de Umbrella Academy 2 de bom grado ;)

Johnny Cash: uma biografia de Reihard Kleist, ed. 8 Inverso. A surpresa dessa coleção de resenhas é sem dúvida o quadrinhista alemão Reihard Kleist. Kleist esteve no Brasil durante o FIQ-BH do ano passado e proferiu uma seção temática sobre o seu trabalho que foi extremamente interessante. Tive a chance de participar e foi uma grata surpresa. Não sei se porque cheguei um pouco atrasado na seção, se por um lapso de atenção ou se por modéstia do autor, naquela seção temática foi deixada de fora a única publicação de Kleist presente no Brasil até o momento: a bem executada biografia de Johnny Cash, o famoso cantor de country rock norte-americano. Kleist pesquisa e intui bem uma excelente biografia do músico. Eu já havia visto o filme “Johnny & June” que saiu um pouco antes da obra de Kleist, que corria em projeto paralelo não relacionado. O filme é legal mas bastante sem sal, meio babaquinha. No caso da obra de Kleist não. Assim como Franz Dobler escreve o prefácio da HQ, achei o trabalho de Kleist muito melhor que o filme, em termos de narrativa, em termos de honestidade, sinceridade, expressionismo e sentimento. O autor usa a intuição para revelar e presumir detalhes importantes. O desenho de Kleist é bastante técnico, mas ao mesmo tempo solto e quadrinhesco, a composição das imagens é excepcional, assim como o jogo de luz e sombra. A ação é tratada de forma convincente e marcante. Kleist recorre várias vezes ao recurso de páginas abertas (sem quadros). A história de Cash é bem polêmica: escuridão, melancolia, revolta, luta, vício, amor e reconhecimento. Parabéns pela editora pela escolha, gostaria de ter encontrado mais exemplares, esse quadrinho só achei na livraria da Travessa no Rio de Janeiro. Espero no futuro poder ler as outras obras de Kleist aqui no Brasil. Nota: bom trabalho da editora 8 inverso em escolher Kleist e uma de suas obras, porém, a capa do caderno de minha edição soltou-se no meu segundo dia de leitura.

Outro alemão é Ralf König e a história em quadrinhos do “Homem Ideal”, da ed. Via Lettera. É um quadrinho de humor com estilo cartunesco de traço rápido e engraçado. É muito legal usar um traço de cartum para compor histórias mais longas. No caso dessa HQ é a mais recomendada para quem está precisando garantir boas risadas. O tema da história é de um homem heterossexual (Paul) que acabou de se separar e, por acaso, se encontra as voltas com o mundo gay. Os desentendimentos, confusões e percalços do herói, igualmente desejado por homens e mulheres, são hilários. O álbum ganhou o prêmio de melhor quadrinho estrangeiro em 1998 no troféu HQ-mix.

Balas Perdidas de David Lapham ed. Via Lettera. David Lapham faz alguns quadrinhos main stream, mas parece que ele nunca foi tão feliz quanto nos trabalhos independentes. Balas perdidas, lançado em dois volumes, é um desses bons trabalhos. São histórias que possuem em comum a violência e que se misturam ao final. São histórias interessantes de serem acompanhadas. Embora não seja um quadrinho de grande relevância (aqueles dos quais vc não pode deixar de ler na vida). Balas perdidas é bastante passável, mas existem pontos altos dentro da narrativa e o desenho é normal, competente, mas sem nada muito distinto.

Local: ponto de partida e Local: fim da jornada. Roteiro de Brian Wood e desenhos de Ryan Kelly. ed. Devir. Local é uma interessante proposta. Se trata de um exercício de quadrinhos: Brian Wood tomou como ponto de partida falar de histórias onde o personagem principal seria o cenário. E por isso Local se passa em várias cidades importantes mas geralmente esquecidas pelas grandes histórias dos Estados Unidos: Portland, Minneapolis, Richmond, Halfax e outras... Para isso Brian Wood usa de uma só personagem que porém é colocada em contextos dos mais variados, creio que a princípio seriam desconexos mesmos. Entretanto ao longo do segundo volume, as histórias de Megan, a personagem principal que já havia incorporado vários nomes, parecem seguir uma relação mais seqüenciada. Acho que aí Local se perde um pouco, pois Megan passa a ser a principal e os cenários meros secundários. Então a partir do momento onde ela encontra-se com o irmão e os dois lidam com a morte da mãe, acho que o quadrinho fica um pouco tedioso. O desenho de Ryan Kelly é bom, porém inconstante nesse trabalho, acho que isso está relacionado com a experimentação. Tanto Wood quanto Kelly experimentavam os personagens nessa trama que mudava de lugar a toda hora. Como ponto alto desses quadrinhos: temos cenas onde Kelly realmente conduz muito bem a narrativa proposta por Wood, e ao final de cada história, há um diálogo franco onde tanto um quanto outro contam o processo de criação e suas impressões ao leitor. O quadrinho é bom, recomendável a quem gosta da Geografia norte americana e do cotidiano daquelas cidades retratadas, e para quem gosta de quadrinhos em uma forma mais crua, visceral, pois os autores deixam muitas coisas claras lá, um certo experimentalismo. O preço disso tudo é ter um quadrinho não tão bem fechado.

Umbigo sem Fundo, quadrinho autoral de Dash Shaw, sua primeira obra de maior volume, e que volume! Umbigo sem fundo possui nada menos do que 720 páginas. Ed. Cia dos Quadrinhos. Para os menos iniciados em quadrinhos, 720 páginas de HQ é coisa que se lê facilmente em menos de uma semana. Se não me engano devo ter lido esse em três ou quatro dias. Há quadrinhos menores que são mais densos e podem até levar mais tempo que Umbigo (Modotti, por exemplo). De todo modo é legal termos histórias dessa tonelagem, pois dizem que o autor quer que você acompanhe algo com mais moderação. E ao contrário da maioria dos quadrinhos de muitas páginas, essa obra não é autobiográfica ou recomposição histórica. Trata-se claramente de ficção. A princípio eu comecei reticente com essa obra, achei o uso de alguns recursos estilísticos meio que pretenciosos demais e desmedidos. O aspecto era fazer um retrato de uma família que ficasse engraçado e debochado com as ações descritas como "engole", "engole" e outras palavras para descrever o que já vemos no papel: “areia branquinha”, “areia molhada” e mais outras. Mas minha resistência inicial se desfez e o autor conseguiu quebrar o gelo em uma excelente passagem onde aparece em um papel escrito uma hilária crítica a um dos curtas metragens de Peter, o filho caçula da família Loony, que tem a aparência de caco, o sapo. A história gira em torno de uma família em que os progenitores são um casal já idoso que sem motivo aparente decidem se separar. Dennis o filho mais velho não aceita e passa toda a história tentando desvendar o mistério de separação. Claire é mais aberta ao fato já que ela mesmo é divorciada, mas não no papel. E Peter o mais novo ainda vive com os pais, mas é tão distante de todos que não tem impressão significativa sobre o ocorrido. A história se transcorre, então, com vários elementos paralelos. Vale ressaltar que os personagens estão bem construídos e esse é um quadrinho de ficção excepcional nesse aspecto. Como ressalta Lielson Zeni pela universo HQ: “O traço de Dash Shaw não é vistoso e, muitas vezes, nem bonito, mas cumpre bem seu papel. A qualidade está na arte sequencial.” Eu diria até que o traço combina com a história, ela não seria a mesma se o desenho fosse outro. Umbigo sem Fundo é obra de estante, meio weird, não tanto quanto “Como uma luva de veludo moldada em Ferro” de Daniel Clowes (até porque o tema é outro). Mas com um nível de estranhamento que desperta algum interesse e lembrança que fica gravada na memória.

Persépolis, biografia de Marjane Satrapi. Ed Quadrinhos na Cia. Há varios pontos interessantes a se explorar em Persépolis. O político, o religioso, o sexual e dos costumes. Satrapi era revolucionária em todos eles. O livro cobre desde o período um pouco anterior à revolução Islãmica do Irã de 1979, quando Marjane já tinha seus dez anos, e vai até o início dos anos 90. Repassa toda sua adolescência e o começo da vida adulta em meio às perseguições políticas e religiosas, dores e perdas da guerra contra o Iraque. O livro segue uma ordem cronológica através das percepções de Marjane, uma menina de observações muito argutas sobre o seu país e as desigualdades e injustiças do sistema religioso que de certa forma vigora no Irã desde então. A história do livro cresce com Marjane e vão ganhando forma, a medida que o leitor avança no conteúdo. Mas surpreende como desde criança Marjane era esperta e questionadora. Criada em família rica de boas condições e educada pelos pais a sempre manter a integridade de pensamento e atitudes a menina preserva uma atitude de vanguarda dentro dos moldes do Islã. Mesmo quando esteve na Europa a atitude de Marjane foi rebelde e corajosa. Foi expulsa de cólegios no Irã e pensões na Europa por sempre dizer verdades incovenientes aos tiranos e defender-se quando ofendida. As univesidades do Irã exigem uma prova ideológica. Um Mulá a interroga:

- Srta. Satrapi, estou vendo em seu dossiê que morou na Áustria... usava o véu lá?

- Não, sempre achei que se os cabelos das mulheres trouxessem tantos problemas Deus certamente teria nos criado carecas.

- A srta. sabe rezar?

- Não.

- Posso saber por quê?

- Como todos os iranianos não entendo árabe, se rezar é falar com Deus, prefiro fazer isso numa língua que eu conheça. Acredito em Deus, mas me dirijo a ele em persa.

Marjani complementa:

- O profeta Maomé disse: "Deus está mais perto de nós que nossa jugular". Deus sempre está conosco, está em nós! Não é?

- Obrigado, srta. Satrapi, pode se retirar.

Um diálogo divertido, sincero mas ao mesmo tempo contestador e provocador. Sobre o quadrinho em si o desenho tem predominância do branco sobre o preto. As figuras lembram figuras de tapeçaria persa, ou figuras pictóricas. Ou seja, não é um desenho técnico, não há noções de profundidade nem nada, é mais pictórico. Os quadrinhos são pequenos e com muita informação, mas a leitura flui bem. Achei o começo do livro um pouco moroso, mas acho que isso tem haver com o fato de estar lendo quadrinhos diferentes e a realidade do Irã ser um pouco distante em alguns aspectos. Mesmo assim, a HQ de Satrapi é universal retrando sua aldeia e seu país, é uma excelente leitura.

2 comentários:

Rafael Senra disse...

E aí Victor, tudo jóia?

Das HQs que vc comentou, só li "Umbrella Academy". Sou do time que se surpreendeu com o roteiro do Gerard Way, e o traço do Bá está bom, como sempre. Talvez um pouco diferente do "Dez Pãezinhos" (me lembrou muito o estilo do Mignola). Quanto as outras HQs, gostei das resenhas, algumas estão na minha lista de futuras compras!

Cara, indiquei seu blog num prêmio que recebi, um selo chamado "Prêmio Dardos, confere lá depois:

http://rafael-senra.blogspot.com/2010/05/selo-do-premio-dardos.html

Abração proce!

I'm a Rock disse...

Aê Rafael, já de um tempo respondi esse comentário, mas vi que não foi salvo. Dizia um muito obrigado pela indicação e reforçava pra ti a recomendação do Quadrinho do Johnny Cash, pra ve que gosta de música é uma boa. Cash é rock-folk-country, a história é bem legal. Abraços.