domingo, julho 01, 2007

Novo Método de Contabilização do Valor das Páginas de Quadrinhos

Novo Método de Contabilização do Valor das Páginas de Quadrinhos

As últimas páginas de quadrinhos que fiz levaram mais tempo do que eu inicialmente estava imaginando. Enquanto as fazia, desde o lápis até a arte-finalização, fiquei pensando em qual seria meu custo-oportunidade de estar fazendo esse trabalho, que por sinal, no meu caso, é apenas para usufruto próprio e não para venda (claro que quero que as pessoas leiam, mas apenas porque me contento com elas lendo, desperdiçando um pouco de seu tempo com uma idéia que não é delas próprias).

De todo modo, é algo prazeroso fazer as páginas de quadrinhos, mesmo tomando tempo. Antes da TV e de caros programas de entretenimento na cidade é meu passatempo favorito. Enquanto desenho, monto uma pilha de cds que vou ouvindo no meu velho e bom AIWA compact disc stereo. Para fazer a história do Chefe, por exemplo, ouvi 17 dos meus cds.

Como começaríamos, então, a contabilizar o valor de cada uma daquelas quatro páginas? Primeiro, poderíamos começar pelos custos materiais que são os mais óbvios. Quadrinhos, ao lado da literatura, são reconhecidamente uma forma de arte barata, no sentido que o quê importa mais são as idéias no papel. Em termos de custo as HQ’s são muito simples e não há maiores barreiras à entrada nesse aspecto. Ao contrário do que se pode imaginar no caso da música, onde se requer, no mínimo, um instrumento (geralmente caro), ou então no caso do Teatro e no mais custoso de todos: o cinema. Mesmo assim, há alguns custos materiais nos quadrinhos que são:

  • o papel (4 folhas de papel A4 comum do meu caderno): 0,034 (x 4): R$ 0,14

  • o grafite, lápis e tinta nanquim: R$ 0,56

  • esquadros e réguas (esse valor tá um pouco superestimado)1: R$ 0,01

  • pena, pincéis e limpa-tipos (pena é de aço e l

    impa-tipos uma espécie de borracha) R$ 0,68

SUBTOTAL: R$ 1,39

Há ainda mais custos materiais denominados de custos quase-fixos, são condições de infra-estrutura utilizadas enquanto se faz a história: água, luz, aluguel... Contabilizo os custos envolvidos apenas na produção da história, não envolvo aqueles necessários para minha sobrevivência, isso entraria em outro quesito na ocupação do tempo do eventual artista. Como a minha finalidade de trabalho é outra, não quero viver disso, posso usar os custos apenas suficientes para se fazer a HQ. Como se eu fosse o inquilino de mim mesmo, viesse a minha casa apenas para produzir a historieta e fosse embora assim que terminasse.

  • luz (lâmpada 100 Watts/hora do quarto + a de 20W/h da luminária)2: R$ 1,54

  • Água (duas xícaras de água para limpar material): R$ 0,00

  • Aluguel (tempo despendido em casa para elaborar a HQ): R$ 4,23

SUBTOTAL: R$ 5,77

As quatro páginas estão custando até agora R$7,16, mas ainda não entramos na novidade desta contabilização que é uma fórmula inteiramente nova para medir o custo-oportunidade deste trabalho.

Enquanto realizava as páginas do Chefe, pensava em outra ocupação que pudesse dar ao meu tempo (já que estava gastando tempo mais do que o estimado para concluir a HQ). Poderia ser até outra atividade de lazer, por exemplo. Todo o tempo que temos dispõe de um valor, esse valor é o quanto nós poderíamos estar ganhando exercendo uma atividade remunerada, empregando nossa capacidade em força de trabalho. Quando uma pessoa vai ao cinema, por exemplo, o custo de oportunidade dela estar ali naquela sala é exatamente o preço do ingresso, ou seja, ela está abdicando de seu dinheiro por um lazer dado em pouco mais de uma hora. Funciona também dessa forma para as demais coisas.


Ocorre que o custo de oportunidade é algo subjetivo e varia de pessoa para pessoa, nem todos acham que compensa perder o seu tempo indo ao cinema ver determinado filme. O custo de um economista premio Nobel é com certeza maior do que o meu, o caso do Stiglitz, por exemplo. Uma história em quadrinhos feita pelo Stiglitz deveria custar bem mais caro do que uma feita por minha pessoa, pois em 16 horas, o Stiglitz poderia ganhar umas 1000 vezes mais dinheiro do que eu. Por ser subjetivo, calcular o custo de oportunidade não é uma coisa muito óbvia.

No entanto eu percebi que havia algo paralelo à confecção dos quadrinhos que me ajudaria a medir esse custo: o fato deu desenhar e ouvir música ao mesmo tempo. Os cds que eu compro possuem preço, mesmo as músicas baixadas na internet, ou os álbuns que ganho de presente possuem um preço no mercado. O mp3 de uma música está custando nos meios eletrônicos cerca de R$0,99 até R$2,99. Ao ganhar um cd de presente o valor para você é exatamente o custo que a pessoa que o presenteou pagou. Presentear é algo legal, a pessoa que lhe compra algo estima que aquele valor seja exatamente a utilidade que ela lhe possa dar e, além disso, ela adquire um plus de utilidade ao acreditar dar-lhe algo útil. Enfim, os cds que tenho possuem o valor de quando eu os comprei ou ganhei.

Mas não é simplesmente colocar o valor dos 17 cds que ouvi, isso seria exorbitante e nada real. Existe, na verdade, uma depreciação dos cds, uma utilidade marginal decrescente. Vou supor aqui que a primeira vez que ouço um disco é aquela em que mais se aproxima de seu valor de compra, a medida que vou escutando várias vezes, cada nova audição possui um valor menor.3 O lance dos cds é que eles possuem prazo de validade indeterminado, se você cuida bem deles, eles podem durar até a sua morte, portanto, em teoria, o valor de um cd que você consumidor compra tende a um valor que é assintóticamente zero.

Então, quanto mais antigo é um cd seu, mais chance de menos valer em sua estima atual. O valor inicial também influi no quanto o cd está valendo hoje. O gráfico abaixo ajuda a entender como funciona esse esquema de depreciação.

Figura.1. Gráficos de Depreciação.


A minha função de depreciação dos cds é a seguinte:



O valor inicial é quanto o compact disc custou na loja, o tempo será medido em anos. O parâmetro φ é um parâmetro de gosto, que será tanto maior quanto menos eu gostar do cd. Na maioria dos casos usarei φ = 1. Nessa situação hipotética, um cd que tenha custado R$10,00 inicialmente estará valendo 1 Real daqui a nove anos. Em 19 anos valerá 0,50 centavos e em 99 anos valerá 0,10 centavos, isso se eu estiver vivo, pois, senão, valerá zero.


O custo de oportunidade se baseia no fato de que quando comprei o cd esperava ouvi-lo várias vezes e de que, cada vez que paro para escutar um dos meus cds, eu estou gastando um “pedaço” de seu valor inicial de compra, essa parcela é o custo de oportunidade de ouvir o cd sem estar fazendo nada mais, apenas parado ouvindo. É claro que música é uma coisa que nos possibilita de ouvir exercendo outras atividades, desenhando, caminhando na rua, dirigindo, lavando o carro a casa ou a louça etc. De certa forma, quando você compra um cd, avalia também esses usos combinados que poderá fazer, mas estou abstraindo disso, o valor de cada audição nesses casos seria um pouco menor, já que sua utilidade está vindo de uma combinação e não de estar parado só escutando música. O valor do custo de oportunidade que uso aqui é aquele de estar apenas a ouvir o cd, o que não é verdade já que eu estava também desenhando, mas acredito ser uma ótima aproximação.


  • custo-oportunidade (obtido através da técnica indireta de ouvir os cds)4: R$ 73,96


Assim, o original do quadrinho “O poderoso Chefão” que está postado logo abaixo e todos os demais que fiz com 4 páginas deveriam custar: R$81,12. É claro que ninguém vai pagar isso tudo por essa porcaria, mesmo sendo o original. Vamos supor que eu queira vender e distribuir apenas tirando uma xerox bem barata de 0,06 centavos por página que há no centro de BH.


Se eu conseguisse vender 100 cópias da história, teria de amortizar 81,12 + (4x100x0,06) = 105,12 reais.


Cada historinha com as 4 páginas sairia por: 105,12/100 = R$1,05


Se eu conseguisse distribuir 200: R$ 0,64


E se caso eu conseguisse entupir a cidade com essa história ridícula, vendendo 500 cópias cada qual com 4 páginas sairia por: R$ 0,40.


É assim que se faz a conta. Tá afim de levar um fanzine de 0,40 centavos pra casa?!


1 O desenhista profissional não-muquirana (caso raro) poderia cobrar R$0,00 por esse material.

2 Há também o consumo do stereo, cerca de 20W/h. O tempo de trabalho foi cerca de 3 horas por dia em uma semana. O método de computação do tempo está ligado ao cálculo de custo-oportunidade que farei logo a seguir.

3 Os aficionados em música podem ter uma utilidade marginal crescente ao ouvir um disco, pois em um mesmo cd podem descobrir sonoridades diferentes de sua banda favorita, o que os deixa cada vez mais ‘pirados’. Mas mesmo nesses casos (que para algumas bandas vem a ser o meu caso), em algum momento a utilidade marginal será decrescente, nada é tão bom para sempre, pode ter um valor eterno, mas não um máximo crescente e contínuo.

4 Os cálculos em detalhes estão no arquivo em .txt.

Um comentário:

I'm a Rock disse...

Considerei nesse texto apenas a reprodução por xerox simples. Porém, muitos ilustradores e artistas usam computador scanners e softwares específicos. O valor deles também deve ser contado na fração correta, não o valor integral.

Você tem um computador de R$ 2000,00, um scanner de R$500,00 e um software de R$ 15,00. Vai incluir o valor integral deles em uma ilustração? Claro que não, isso tornaria os custos proibitivos. Você tem que colocar uma fração. Quantas ilustrações vc pode fazer com aquele computador específico ou software? Se forem umas 10 mil o certo é cobrar 0,25 centavos em cada.