quarta-feira, janeiro 09, 2008

Quadrinhos em Linhas Gerais

Uma boa forma de separar quadrinhos é pela procedência geográfica. Não a mais eficiente, mas para um principiante funciona bem. A geografia não é a melhor forma porque muitas vezes encontramos um gibi brasileiro que parece japonês, por exemplo, o que seria chamado de Mangá no caso. Mas em linhas gerais não erramos muito em separar os quadrinhos produzidos no mundo atualmente como:

1. Ocidentais (norte-americanos).

2. Europeus

3. Japoneses (Mangás e Mahnwa que é a versão coreana, descobri a pouco tempo).


1. Não vou recorrer muito ao passado remoto, mas os quadrinhos começaram por volta do último quartel do século XIX. Há alguns precursores mais antigos, que vieram logo após a imprensa tipográfica, porém, de forma geral o quadrinho está muito associado ao boom dos jornais ocorrido por volta dos anos 1890 a 1920. Americanos e Europeus disputam cabeça a cabeça quem seria o primeiro. Assim como no caso do avião, poderiamos também meter o bedelho e reivindicar um patrono brasileiro: Angêlo Agostini (como mencionei em post de dezembro). Mas o interessante é que dos dois lados do Atlântico o quadrinho vingou e cada um seguiu seu rumo particular.

O quadrinho norte-americano seguiu uma característica muito peculiar da sociedade daquele país que é o culto ao Herói. Isso antes mesmo dos encapusados com cuecas por cima das calças. Podemos aí lembrar: Dick Tracy, X-9, Ferdinando, Spirit, Mandrake. Mais hérois podem ser lembrados (na categoria super): Fantasma, Capitão Marvel, Shazam, Flash Gordom, Batman, o infalível Super-Homem, Zorro, os mais recentes Homem-Aranha, Lanterna Verde, Hellboy.




Héroi é o que não falta no quadrinho americano, as variações de estilo e abordagem são muitas. Acho que os quadrinhos de herói tem alguns problemas (ainda mais hoje em dia). Mas não dá para não dizer que são legais pra caramba e muito ricos em várias tramas. Vide o Will Eisner, quase unanimidade aqui no Brasil.

Quando criança eu lia muito quadrinhso de herói. O fato deu os achar pior hoje tem mais a ver com roteiristas e alguns desenhistas do que o tema em si. A Linha dos quadrinhos de hérói tem todo o seu desenvolvimento e características comuns. De alguma forma, esses quadrinhos dão maior preferência ao traço realístico das arquiteturas e objetos. Os personagens são mais estilizados, porém não fogem muito aos cânones de proporção: sete cabeças de altura, o tronco são duas cabeças e meia, braço, uma cabeça...

Portanto, quando um autor segue mais ou menos esse estilo, seja na história, no desenho, na arte, ele está seguindo a linha ocidental de produção de quadrinhos. Ainda sim a variação é muito grande. Alguns autores fora do mainstream produzem histórias em preto e branco e usam essa característica para reforçar aspectos como suspense e terror, ou um clima até mais paradão de filme noir (ver o Filme do Sin City para ter uma idéia dos dois primeiros ou New York, para ter uma idéia do segundo).* O grosso da produção de quadrinhos nessa vertente "ocidental" são os quadrinhos de cores berrantes dos supers. As cores tem explicação tecnógica e são chamativas para o mercado, principalmente junvenil e infantil. A Panini está relançando vários clássicos da chamada era de prata dos quadrinhos.


Os quadrinhos americanos não são só hérois. Podemos destacar uma vertente que é quase isolada e independente nos quadrinhos (presente geograficamente em todo o mundo): os cartuns. Temos George Harriman com Krazy Cat, Pat Sullivan e o Gato Felix, Mickey de Wall Disney, Snoopy de Schulz, Zero, Hagar, Feiffer e vários outros de projeção internacional.

Bom, uma característica muito comum dos quadrinhos americanos é que são todos de rápida produção, o mercado competitivo e frenético dos EUA pode explicar, mas o lance é que independente de serem de super-herói ou cartum, vemos no quadrinho americano uma pre-emência para edição rápida quase jornalistica. Isso se deve pelo formato do meio: jornais ou revistas encadernadas, semanais, mensais ou quadrimensais.


2. Isso serve de contraponto ao quadrinho Europeu que carateriza-se pelo publicação mais em albúns ou em revistas, porém mais espaçadas, que raramente continham uma história completa. Um leitor, para completar Tin Tin "714 vôo para Sidney", por exemplo, tinha de esperar quase três meses para ler a historinha por inteiro, que saia à quatro páginas em uma revista semanal. Acho que o tempo é um fator de explicação muito importante. Com o esquema de produção mais lento, os quadrinistas tinham a chance de desenvolver melhor o enredo e os personagens.

Não é a toque de caixa e possibilitam que um autor somente faça tudo: roteiros, desenho e arte final, a cores ou não. Hergè do Tin Tin foi um dos poucos a ter estúdio.** As características do chamado o quadrinho europeu são também ter uma preocupação realística com a arquitetura porém personagens ainda um pouco mais caricatos do que os norte-americanos. Vide o exemplo de Asterix, ou Spirou.

Porém, não é toda a verdade: Podemos separar nitidamente a escola italiana onde voltam os personagens canônicos e marcadamente presença feminina nos eróticos de Manara e Crepax. Hugo Prat possui um estilo pessoal na aventura, mas é engraçado logo vendo você diz que tem cara de italiano. Uma vertente que podemos separar não por área mas por tema são os ficção: entram aí a Metal Hurlant, onde surgiu Moebius, Barbarela, Mitton, e Serpieri (mais um italiano taradão).

Um aspecto que une muito o quadrinho europeu são as cores menos berrantes. Isso advém de uma questão tecnológica: como a produção européia era mais comedida, as maquinas de impressoras não precisavam produzir a toque de caixa, os equipamentos de impressão lá eram mais caros e sofisticados. Por isso albúns, e por isso mais caros. Tal condição permitia usar maior variação de cores na impressão, o resultado fica um aspecto estético mais agradável que foi chamado de escola da linha clara. O Manara é um bom representante desse uso de cores. Fica mais o aspecto de aquarela.


3. Os quadrinhos japoneses voltam novamente à produção em série, e com muita força. Se diz que lá a população inteira lê algum tipo de quadrinhos. É como ver TV. Por isso há um estilo para cada segmento da população. Shonen para o público masculino, Shoujô que é o formato das meninas e os mangá Hentai de sexo.

Aqui os personagens ganharam os contornos caricatos de olhões graças ao pai do Mangá Osamu Tezuka. Tezuka é tipo o Maurício de Souza do Japão, ou melhor dizendo, o Walt Disney. Suas histórias são recomendáveis e abordam várias das vertentes que perduram hoje no quadrinho japonês. Para se ter idéia, foi ele que criou o astroboy. O quadrinho japonês cresceu exponencialmente depois de seus trabalhos.

Caracterizam o Mangá o traço preto e branco e arquiteturas definidas de maneira rápida mas com muita competência. Na verdade, há um perfeccionismo bastante oriental na perseguição de detalhes em peças mecânicas, naves, motos e prédios. As histórias são bem desenvolvidas e geralmente autorais. O desenhista faz tudo também. Não sou especialistas em Mangás, mas passo algumas referências para os que querem iniciar: Akira, Lobo Solitário, Adolf do Tezuka, Love Hina, Nausicaa. Um cara que admiro muito é o Miyazaki do famoso Viagem de Chihiro.

Essas são as três regiões geográficas que mais ou menos delimitam as vertentes da produção das histórias em quadrinhos. Lógicamente, muita coisa destoa dessa base geral. Sou da opinião de que, geralmente, o tipo de história pede uma ou outra abordagem. O quadrinho de humor, por exemplo, ocorre, em geral, em uma linha mais cartunesca. Mas não há regra rígida, as vezes quebrá-las pode ter um efeito mais que desejável. Uma comédia com desenho realista, pode ser fato novo, deslocando os paradigmas. Ou uma historinha do Homem-Aranha estilo cartum. Como de fato a Marvel lançou dentro de alguns números. Ou os experimentalismos bem sucedidos de Mc Kean, ou Sienkiewicz.

No Brasil, o estilo geral de fazer quadrinhos é ocidental, aliado ao norte-americano. Há a eterna queixa de que herói brasileiro não funciona. Mas não é verdade, não funciona quando é enlatadão, mas quando distoa disso costuma a ser um sucesso. A tradição mais forte em nosso país é o humor, onde predominam também bons cartunistas: Canine, Péricles, Ziraldo, Henfil, Spacca, Iturrusgaraí ...

Uma revolução na cultura de massa ocorreu nos anos 60. Os quadrinhos não ficaram para trás, pelo contrário. Os quadrinhos desempenharam papel importante na promoção de novas artes visuais desenvolvendo capas psicodélicas para discos de Rock'n'Roll, anúncios, chamadas para shows e vestuário.

Tem-se nessa época, na Califórnia, a revolução do quadrinho da contra-cultura que quebrava os paradigmas comportamentais, abordando temas Tabu, como sexo, discriminação racial e de minorias, uso de drogas, emprego, economia, conflito de gerações. Enfim, quadrinhos hippies, produção de fundo de quintal, baixa tiragem e comercializados de mão-em-mão, ou em pontos muitos especializados conhecidos pela galera cool da esquina das ruas Haight & Ashbury em São Francisco (como bom belo horizontino devo crer que as esquinas têm um poder mágico de fazerem surgir boas coisas).


Os novos comix eram na verdades algo semelhante aos fanzines. O sucesso foi tamanho a ponto de direcionar e ser um fator propagador da cultura dos anos 60. Diversas revistas representantes dessa corrente começaram a surgir. A ZAP comics: onde participaram: R. Crumb, Gilbert Shelton, Victor Moscoso entre outros. Um editor mais antigo mas que adotou essa nova geração é Harvey Kurtzman, criador da revista Mad. A Mad foi a revista de humor da contracultura mais bem sucedida, vendida no mundo inteiro. O artista mexicano Sérgio Aragonés, um dos principais nomes.

A bem ver, o desenho desses novos quadrinistas não é tão novo assim. Relembram exatamente a versão descartada pelos quadrinhos de super-heróis norte-americanos: os cartuns e comics dos anos 30. O desenho de Crumb, os lembra muito. Duas resenhas feitas pelo editor de quadrinhos Rogério de Campos sobre os quadrinhos Underground merecem destaque: A primeira saiu na copilação da Conrad: "Comic Book, o novo quadrinho norte americano", muito legal. Traz os frutos de quadrinistas da nova geração, anos 90 e 2000: Daniel Clowes, irmãos Hernandez, Joe Sacco, Bagge, Adrian Tomine e outros. Outra resenha do mesmo autor está na revista "Zap" comix, relançada pela Conrad também no Brasil.

A importância dos quadrinhos de contracultura se demonstra na legião de seguidores dessa vertente e nova abordagem de temas para o meio. O Brasil também possui seus representantes nessa área. Os mais famosos são o mestre Laerte, Angeli e Glauco, há o relançamento pela Devir da famosa revista Chiclete com Banana. Mutarelli é outro destaque do udi-grudi brasileño. Marcatti, do Ratos de Porão e Quadrinhos Escatológicos, confessou sua influência de Crumb e Shelton. Tal vertente vêm muito acalhar com o já tradicional humor brasileiro.

É isso galera, finalizei o post. Os Interessados podem procurar mais bibliografia. Há inumeras teses e trabalhos que divulgam algumas coisas que mencionei nesse post. Alguns aspectos são meus pontos de vista (talvez coubesse a mim defender algo :) Sugiro os textos do Rogério de Campos que mencionei. A Antologia do Chiclete com Banana. O Mutareli também.

Esse longo post começou com o propósito de passar apenas esses três links:

Uma enciclopédia de quadrinistas muito boa. Tem muito neguinho aí. A julgar pelo catálogo deve ser a melhor loja de quadrinhos do mundo essa tal de Lambiek em Amsterdam:

http://lambiek.net/home.htm

Algo interessante lançado no Brasil:

http://www.jozz.com.br/

E um post fera sobre quadrinhos alemães de um bloggeiro de Recife (ao que parece):

http://entropius.blogspot.com/2007/05/quadrinhos-alemes.html


Mais achados:

http://euroquadrinhos.wordpress.com

http://www.bulkool.com/blog/

http://www.neorama.com.br/quadrante0011.html

http://digitaldreammachine.blogspot.com/

Pirei no desenho dessa moça:

http://www.jenwang.net/


* Por falar nisso, Frank Miller está dirigindo um filme do Spirt. Corre o risco de ficar mais Miller do que Eisner, mas confio no quadrinista co-diretor de Sin City.

** E Ninguém menos do que Steven Spilberg quer fazer um filme com o famoso detetive Tin Tin, do belga Hergè.

Créditos das Figuras:

1° Menino pregando poster do Spirit. Meu, :) minha homenagem ao Will Eisner
2° Quarteto Fantástico do Jack Kirby
3° P'Gell Femme Fatale do "The Spirit" do Will Eisner.
4° Brincadeira com o Fantasma. Meu. Para quem não sabe o Fantasma é o esírito que anda e nunca morre porque o herói é hereditário, o legado do fantasma passa de pai para filho. No seriado preto e branco de 1943, o primeiro episódio começa com um ator velho onde o calção parece mais uma fralda geriátrica.
5° Página de "Vôo 714 para Sidney" Tin Tin, Hergè.
6° Jogadora de Basquete em aquarela. Meio imcompleto, mas va lá. Meu.
7° A Cláudia gostosona de "Clic" do Milo Manara
8° Astroboy, desenho animado, Tezuka.
9° Página de AKIRA do Otomo.
10° Batman por Bill Sienkiewicz.
11° Menino Maluquinho do Ziraldo.
12º Fritz The Cat de R. Crumb.
13° Alfred E. Newman, famoso garoto da revista Mad. O nome é uma brincadeira com aquele lance de 5 seg de fama.
14° Álbum Cheap Thrills da Janis Jopplin, capa de R. Crumb que era seu amigo.
15° Capa do Comic Book, já esgotado na loja da Conrad.
16° Capa da Zap comix
17° Capa de Chiclete com Banana.

2 comentários:

Ricardo Agostini Martini disse...

Bem didático o post. Mas eu confesso que entendo bem mais de ler os quadrinhos (Asterix, Tintin, Hagar, e o pessoal da velha guarda da MAD), do que comparar os estilos!

Porque não apresenta um artigo sobre isso em algum seminário?

I'm a Rock disse...

Haha! Esta certo, Ricardo, ler é sempre melhor mesmo! Fçao o maximo qe posso!

Quanto a idéia de apresentar... bem acho que sim, se aquele do cigarro passar vou começar a elaborar artigos cada vez mais loucos, hehehe...

Em breve vou atualizar o blog, no aguardo.